Eu sou Deus?

           
           Eu não sei se tudo aquilo foi um sonho ou realidade, mas quando acordei tudo já havia sido criado. Era como se alguma coisa em mim houvesse mudado, mas eu não sabia o que era. Meus olhos infantis, minhas pequenas mãos e meus pequenos pés, minha maneira desastrada de se alimentar... Tudo permanecia da mesma forma, mas era como se fosse a primeira vez das coisas.
           A escuridão me parecia nova, como a luz que a diferenciava. Havia ali, por toda parte, diferentes bolinhas que se equilibravam sobre o nada. Já outras voavam como se estivessem brincando de esconde-esconde com suas iluminadas cabeleiras feitas de alguma coisa que me incomodava os olhos, me fazendo coçá-los sem parar. Algumas outras já eram mais variadas; tinham pequenas e grandes, de deferentes cores, das mais distantes as mais próximas. E eram quentes e me encantavam. Em meio a tantas coisas novas - ou pelo menos me pareciam assim - resolvi correr e pular por ai, talvez para conhecer aquilo que já me era conhecido. Era engraçado, todas essas coisas me faziam gargalhar de alegria. Foi então que ouvi barulhos, e esses barulhos viam de uma das bolinhas um pouco distantes de onde eu tinha acordado. Era tão sublime o que eu via ali que chegava a ser assombroso.
           Eu ouvi chamarem alguma coisa que não conhecia ao certo. Pediam para que essa alguma coisa aparecesse para guiá-los naquela esfera que era tão desconhecida deles. Perdi-me em meio ao meu próprio desespero: Como encontrar esse tal "Deus" que eles pediam socorro, se eu conhecia apenas a mim naquele vasto lugar? E se caso não encontrasse ele, como ajudá-los se nem eu mesmo conhecia aquele lugar de onde chamavam? Resolvi então ir até eles.
           Estava nervoso, era tudo tão conhecido que se tornava desconhecido para mim. Caminhei até o primeiro homem e a primeira mulher que vi, eram solitários. E ao me verem logo se colocaram de joelhos, agradecerendo por eu ter atendido aos chamados deles, porque eu era um deus bom e misericordioso. Tudo aquilo me deixou muito confuso. Como se ajoelhavam diante de uma criança? Como diziam saber quem eu era, sem eu mesmo saber quem sou? Pedi aos dois que se desfizessem daquela posição. Nenhum de nós que estava ali era superior a ninguém.
           Ajudando-os da maneira que eu podia, o tempo foi passando. Tudo parecia muito bem, até que o que eu sabia não era o bastante para eles. E o que eu sabia? Não muita coisa. Acho que eles pensavam que eu sabia de tudo. E quando isso se tornou claro, eles me expulsaram daquilo que eles mesmos diziam serem criações minhas. Não me sinto dono de nada, mas era isso que eles gritavam aos ventos. Nunca prometi a eles saber tudo, mas eles acharam que sim. Como queriam que uma criança soubesse de tudo? Agora eles me chamavam de um deus mau e injusto.
           Voltei para onde eu tinha sonhado, ou talvez criado tudo, não sei. Mas de lá eu vi o tempo passar. Vi essa história sendo contada e recontada muitas e muitas vezes. Vi a minha imagem infantil, leve, incerta com suas próprias criações sendo trocada por uma imagem idosa, pesada e certa de tudo e por isso acima de tudo. Ouvi tantas coisas, tantas blasfêmias. Que salvarei pessoas e deixarei outras, que renego pessoas pelo que elas são, que desprezo coisas. Se vocês mesmos dizem que criei tudo, porque dizem que desprezo minhas próprias criações? Nunca disse que criei as coisas, mas saiba que se eu realmente tiver criado, não as quero que vivam para mim. Não quero que para lembrar de mim precise esquecer de si mesmo, porque se criei é porque senti necessidade de te fazer um deus. Porque nada mais egoísta do que querer que todo o Universo, toda a Criação seja meu espelho. Você acha isso mesmo de mim? Eu não salvarei, nem condenarei ninguém, porque você é o seu próprio Deus. Agora cabe a você escolher qual deus quer ser...!

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