Paragem

Imagem: "Sower with setting sun" de Vang Gogh.

Quando não sei o que fazer,
eu (sempre) paro,
de brincar ou até de viver.
A vida é um carro
que se choca com outro
e ao tentar atar o solto,
acaba, por fim: de novo!

Olhei para todos os lados
e nada vi além do silêncio:
ele canta longos fados
junto de um solo florêncio.

Caem das mãos dessa terra
nenhuma semente em vão:
são sentimentos que andam
por direções em guerra;
plantações diferenciadas
que, como alvoradas,
não tem paz (quem me dera!)
e a luz por trás da serra
traz também a noite velha.

Ri a tristeza ao longe,
e a alegria, que se esconde,
por perto surge queixosa.
Atrasado, perco o bonde
que me levaria para onde
sei que teria alguma rosa.
Mas sem jardim ou conje,
flores são água sem fonte,
como voz de ausente prosa.

Trotei com o pobre Diabo
acima desse vasto mundão:
alheio de qualquer Caiado,
seu inferno não é danação,
mas sim, o reino airado
que vê a humana ceguidão.
Enfim, ele abriu o coração
ao ver os queridos viados
irem à mata dos condenados:
deitado em meu colchão,
pareceu um guri arriado,
admitindo a sua desolação.

Fiz dele o meu amigo,
e o tenho no peito comigo,
pois, quando sozinho sigo,
sei que, além do que convivo,
há uma dor que partilho.

Houve tempos que os tempos
não ousavam,
mas tais tempos eram tempos
que rosnavam,
que assustavam como ventos,
levando-me para os centros,
dentro do cheiro dos coentros.

Hoje eu já não penso:
são tantas as ideias fixas
que elas são como iscas
para um apetite tenso.
Os pensamentos são retos
como rizomas bem certos;
alguns logo são colhidos
sem serem escolhidos:
restam só as cicatrizes,
aliciando as demais raízes.

Cristais mofados matam
tanto quanto falam
e mais seguros são os nós
das âncoras nos pés.
Por isso calei a minha voz,
o lugar do meu viés,
para ouvir os que vaiam.

Raros, cada vez mais,
são os lapsos de lucidez
movendo palavras tais
como as gravadas, talvez,
no mar que os minerais
levam de uma só vez.

Nos poentes, os idiomas
serão mais potentes
do que os sintomas?
Até os céus são redomas
às estrelas estridentes,
não seria comigo diferente,
ainda mais quase doente,
quando tocam as sanfonas.

Não se pode chamar perdido
quem nunca se tenha tido.
Aí, sento entre os destinos,
tapo os olhos com linhos
e eu me ponho a escrever
coisas que cobram caro:

Quando não sei o que fazer,
eu (sempre) paro,
de brincar ou até de viver...

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