Antecipação

Imagem: "finitude's room" do artista Marcos Guinoza.

Eu tenho tanto medo de te perder
que acabo te perdendo
nas ideias:
lá, você adoece; você cai, você some.
Brinquei tanto tempo com a morte
que cresci e me tornei covarde.
Deve haver um jeito certo de dançar,
mas eu errei,
Quebrei, além das pernas e dos pés, a alma.
Sou uma criança desamparada, enfim,
que quanto mais velha, menor fica.
Vejo os enxames de formigas pela casa;
ninguém vem desfazê-los:
elas me carregam para bem longe de mim
e me comem contando causos
do substrato do mundo
(dor, agonia, enjoou, cansaço, ruína).
Terras
onde o tempo é medido
pelas palmadelas dos olhos;
Pradarias
de pálpebras envelhecidas
que se esquecem de despertar;
Praias
que são sempre precisas
em guardar o sono dos que ainda respiram;
Montanhas
com corpos como pedras
que rolam ladeira a baixo,
atropelando os acidentes;
Nuvens
muito além acima do sol,
surdas para os lamentos das luzes calejadas.
Cada pedaço de mim era trocado
por uma nova obsessão turística;
quiseram as pequenas pernas e as pequenas mandíbulas,
me levar para todos os lugares,
mas assim eu me desfaço.
Contudo, quase perto do rasgo,
o formigueiro beija a minha testa
e regressa
e antes da colagem completa,
ele volta avançando em édens estrangeiros.
Espirais vertiginosas insistem em girar,
fazendo dos dias e das noites um só borrão.
Eu temo tanto
ter medo de ter medo de te perder,
porque assim tirarei os lençóis da sua cama
por folhagens douradas e negras
enquanto ela ainda continua quente.

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