Cortinado
"Le berceau" (1872) da pintora Berthe Morisot.
Quando eu era criança e, sem nenhuma
vergonha, dormia na mesma cama que os meus pais,
Havia nela um cortinado –– as quatro
paredes mais fortes de fino tecido.
No momento entre os segundos antes de
entrar e os segundos depois de estar dentro,
Eu imaginava um rio de ratos, uma chuva de
insetos de todos os tipos, a explosão do mundo em múltiplos pedaços, nos
fazendo flutuar sozinhos no sem fim e escuro e silencioso e estrelado universo.
Nada e nem ninguém poderia me tocar, me
machucar, me amarrotar como nós fazíamos juntos com os lençóis e os
travesseiros.
Era a torre de castelo mais infinita já
construída, mais até do que o próprio castelo.
Os pequenos furos no tecido da verdadeira
realidade importante me permitiam contemplar o mundo que nunca adormecia de sua
existência
E qualquer coisa que me ameaçasse comer os
meus sonhos, eu tinha as mãos maternas segurando as minhas mãos de filho único
(E as minhas mãos de filho único também
seguravam as mãos dela de mãe única),
Sob o calor das histórias sanguíneas,
químicas, têxteis, afetivas, enfim, das histórias da humanidade.
Não existia mais nada além disso, porque tudo
bastava.
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