Eu múltiplo de mim
"Quarto em Arles" (2ª versão), do Van Gogh.
Nasço
como todas as estrelas
Em
nuvens familiares, berços de moléculas,
Sob
os algoritmos da vida:
Poeira,
casamento, gravidade, construção.
Caio
cadentemente do pé
Igual
uma fruta madura,
Mas
quem tentou subir por aqui
Não
foi eu, mas a árvore:
A
minha mole casca
Machucou
a sua dura casca;
A
grossura dos longos galhos
Não
suportou a fineza curta da minha haste;
O
balançar da minha polpa
Carregava
o machado que a derrubou.
Apodreço
no chão, lento.
Tenho
uma vida para ser vivida,
Cumprimentos
a tornar obrigatórios,
Uma
mãe para eu tomar os cuidados.
É
demais, ainda que pouco.
E
os meus olhos em mosaico,
A
boca com dentes e rasgos,
As
mãos e os pés de guardanapos,
Existem
apenas para fingir que existem.
Há
solidões em todos os lugares,
Assim
eu me movo: aos saltos,
De
uma solidão a outra
––
Uma abelha colhendo vazios.
O
infinito foi desamarrado;
O
círculo mostra o antes e o depois.
Se
aos 5 eu sofria por não saber
E
aos 15 por aprender como saber,
Aos
25 eu sofro por tudo que sei,
Por
tudo que sei como saber
E
por tudo que não sei nem como saber.
Não
lembro do que fui e o que serei,
Afinal,
o que sou agora?
Talvez
quem apenas repete
Aquilo
que um dia deu certo,
Mas
que nos outros, perde os rituais
Que
as magias lhe entregaram.
Acabo
também por perder o corpo
Que
os limites me infligiram.
O
que é isso que sou nós?
O
que é isso que somos eu?
Tristeza
é nascente que constrói
Casas,
ruas, cidades, países:
Todos
os rostos e nomes
Se
afogam até o oceano.
Xarope
sob as geladas bebidas
Artificialmente
adocicadas.
Não
me importo com nada mais
De
um jeito peculiar: importando-me.
Se
são arrumadas as camas
Ou
limpos os móveis, apesar de tudo,
Já
não é por medo da bagunça,
Nem
por desconfiança da sujeira,
Mas
pela virtude dos vícios.
Passo
debaixo do arco-íris,
Não
tenho mais virtude alguma:
Desperto
perto da hora de dormir;
Converto
a poluição em sonhos
(Eu
não sonho mais).
O
universo é o alfa e o ômega suicida
––
Vai se matando para continuar vivo.
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