Casa Nova
“O poeta faz-se
vidente através de um longo, imenso e
sensato desregramento de todos os sentidos.” – Arthur Rimbaud
“Eu tenho que passar todas as minhas
evidências de um lado para o outro; é como se fosse uma mudança para uma casa
nova”, eu disse a ela. Demorei a minha idade em um segundo para que eu
entendesse que aquilo que estava acontecendo era muito além de uma pobre
comparação para facilitar a imaginação desacostumada de uma mente quieta.
Nos últimos anos –– desde quando a queda
me caiu e me fez subir, subir, subir... ––, eu percebi, e disse isto aos meus
amigos, que alguns Sinais se desvestem para mim antes de responderem às
incertezas do Amanhã; eles riram, por não me acreditarem, e eu rio, por ter os olhos
tolos demais para sentirem as Formas em movimento e se chamando para formarem
os próximos tijolos da realidade. É
sempre depois de derramadas que as Silhuetas se colocam de joelhos em oração de
misericórdia à minha confiança, tornando-me, sem qualquer interesse ou pergunta,
um vidente do passado, um órfão do meu próprio eu. De novo, eu pressinto a
aranha pela teia, o hábito pelo dia anterior, os vinte e um pelos vinte; mas
atrás das reais coisas ainda resta um fogo vertiginosamente adocicado me dizendo
aromas roxos. Não há nenhum jeito de
prová-los –– talvez a minha língua esteja incapaz de me ensinar a enumerá-los
para fora ––, porque os acordes dessa pintura dançam apenas para um par, ou um
pouco mais que isso, de lembranças por vez.
Tudo começou naqueles dias de guerra,
onde a tinta e o silêncio eram as minhas únicas armas contra as legiões de demônios
que me mordiam o eixo. Apesar da segunda
tentativa ser mais corada, e também menos gelada, eu não deixara de me
enfraquecer entre as fortalezas, nem de compor o ouro das cabeças, dos dentes e
dos passos que o sol, girando no meio ao inteiro, se orgulhava em apontar. Intimidados,
eu e minha pobreza procuramos por uma passagem dos fundos... Mesmo se
existisse, penso que ela não nos levaria para a caixa necessária. Apressei a
primavera para me desabrochar inteligências, enquanto eu seguia o rio gasoso
que se construía pelos vários braços e pernas em direção ao católico portal; a
maneira como o concreto machucava o céu exorcizava a minha coragem para o
segredo e de tudo que eu tive até aquele instante, me sobrava apenas o à
frente. Absoluta foi a religião que me atravessou; por pouco não fui
emoldurado, feito de vidro, ferro e exemplo, entre paralelos que se completavam
em um símbolo do Homem que, diante dos degraus, não deu o seu primeiro verbo. E
eu conjuguei as escadas, não sabendo se eram elas de mármore ou de pessoas, para,
ao menos, admirar mais de perto o diamante. A bondade desses tempos se fez
carne quando o entardecer das batalhas já estava determinado pelo horizonte.
Se fosse o Altar, a vitória teria me engolido
no momento em que o aviso alcançasse a minha alma; dedos com as colunas frágeis
estremeceriam a membrana da minha Filosofia. Sim, os templos nasceram certos em
minhas mãos e, tão logo respiraram que, quase me desequilibrei de mim mesmo. Ao
corrigir a pendular postura, minha pele anunciou aos meridianos que a maciez desse
lugar, agora, era líquida; tanta sede doutrinada com a antiga transparência que
os meus lábios estranharam o toque da novata ciência. As emanações cabalísticas
de outrora, hoje são crônicas que velam os meus ancestrais: quais deles não me
acenderiam incensos e me evocariam profecias? E cada tarde e cada ritual e cada
noite e cada instrumento eram outros. Eu sorri e me reconheci assim; não era
mais um poeta, voltei-me místico!
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