Ali

Faz mil anos que ouço de mim mesmo que vou mudar,
Mas o que muda são as coisas e não, não eu:
Os ponteiros do relógio se sedimentam em areia,
Transformando o tic-tac em ampulheta –– silêncio.
O copo alçado preenchido de água negra se esvazia
E novamente, e de novo, e outra vez, se enche.
Os gostos tornam-se vícios; os amores, dias atrás.

E eu ali, assistindo a tudo isso acontecer.
Tudo se esvaindo, na minha espera, sei lá do que.
Parece que nada aprendi dos momentos anteriores
Em que percebi o real brilho de uma preciosidade chamada calma;
O verdadeiro significado daquilo que tanto amo: perfeição!

(Perfeição é saber o nome de cada coisa que se tem,
Seus lugares e rostos; é saber usar as palavras que carrega,
Sem pressa de aprender outras, ainda que também as busque.
É a tranquilidade de desenhar nuvens, guarda-chuvas, casas,
Mesmo sabendo que elas serão precisas apenas no mês seguinte.
–– “Moço, falta muito para a época de chuvas fortes!”)

Aparentemente, os mortos não voltam à vida comum,
Logo, também não retornarão os séculos que eu já derramei.
E eu ali, em minha imperfeição, dizendo não mais entender as pessoas
Em seus desesperos forjados, acabo também confuso e me perco...
Ainda que eu soubesse costurar os retalhos passados,
Não saberia fazer deles uma colcha para as noites mais compridas.

Engraçado que há tempos penso nos maus-tatos de um antigo amor,
Mas, no fim, acabei por dizer sobre um problema mais meu
Do que de outra coisa. Preocupar-me com o que realmente importa:
Finalizar os nós soltos e cobrir os sonhos por mais longos que sejam,
Porque isso tudo dito deveria estar aqui há mais de mil anos
E o aprender a mudar parece estar justo ali, onde eu estou.

Comentários