Frutas exóticas também têm seus pomares

Imagem: (Título desconhecido) do artista Miles Johnston.

Eu bato duas vezes na porta
para tratar de assuntos seríssimos,
mas na terceira, o som que sai do material,
que agora está de baixo das minhas mãos
e não mais diante de mim como antes,
é de um tambor festivo que me pisa.

Vivo coisas que não quero ver,
como pássaros que rasgam o fundo do céu,
esparramando a nudez das estrelas que,
envergonhadas, usam das línguas do sol
como esconderijos até o fim dos tempos.
Ainda que desviados todos os olhares,
o meu inteiro olhar sempre me olha:
é assim que se faz um jogo de tabuleiro
e as peças e as linhas e o livreto.

E eu, que busco as moscas
como a morte ronda os calores,
tenho no peito uma lâmpada acessa.
Muitas vezes, ela falha em me iluminar
os caminhos, ou seja, em me contar
as histórias d’aonde estou tentando seguir.

Um amigo me disse que os dias lhe disseram
que estavam com muita saudade de mim.
Diga a eles que eu sou apenas saudades,
mas estou perdido desde o primeiro respiro.

Eu sento, então, sob a árvore invertida
(em que os únicos galhos são as suas únicas raízes
e as únicas raízes são os seus únicos galhos)
e experimento das frutas mais exóticas:
há algo indecente na revolta dos sabores,
é casa que ninguém quer ser morador.

Porém, anarquizo o meu próprio estado;
eu nunca fui dono de mim, mas agora é real.
As visitas, ainda que cheguem e vão,
aqui permanecem, se hospedam por dentro:
cada franzino pensamento é cortado
com as mais altas e graves lâminas de ímã.
São vozes que me sonham para eu nada sonhar.

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