Aramaico
Imagem: "Memory Of The Man With No Face", de Ayham Jabr.
Todos
os dias são noites
E
todo abraço é berço e túmulo.
Tenho
vontade de chorar
Por
todos os motivos do mundo.
Mas
as lágrimas, querendo falar
Todas
as línguas, acabam não dizendo
Nada:
se afoga, criando praia,
Em
que a areia é pele e o mar,
Desconhecimento.
Se
Rimbaud encontrou (quem?)
A
eternidade, eu a deixei
Escorregar
pelos dedos (como?).
Perdoem-me
os antigos costureiros,
Os
antigos trovadores, os verdadeiros
Poetas
–– a dor do hoje é barulho
Que
não se faz mais canção;
É
câimbra na alma, enquanto
O
mundo cai –– órfão.
Envergonho-me
de tudo
Desse
século: até desses versos.
Não
só as águas têm ondas,
Mas
também as multidões
E
os turnos, movendo as sombras
De
mãos dadas com os corpos.
São
barquinhos que intercedem,
No
horizonte, pelas transparências
Transcoloridas
de friagens douradas
E
de calores azulados.
Quando
é dito que se está perdido,
Não
é o mesmo que perder
A
costura da roupa, o botão
Da
flor, o desabrochar do sol.
É
mais: como querer e não
Poder;
conseguir e não saber.
Dente-de-leite
que se derrama
Em
universo de um seio materno.
É
deixar escorregar
O
compasso da respiração.
Vendas
para os grandes olhos
Com
eles ainda muito abertos.
Talvez
assim eles nunca
Se
fechem, porque se eu
Pudesse
assistir a minha morte,
Eu
já estaria me matando.
Em
mim, há um demônio
De
mesmo nome que o meu.
Infrutiferamente
eu tento
Me
exorcizá-lo. A árvore
Estéril
não fecunda nem o céu,
Nem
o inferno, muito menos a mim.
E
eu que tanto quero,
Pareço,
em verdade, nada querer.
Meu
sangue talhado não é capaz
De
suportar filhos que parecem
Desconhecer
o fracasso.
A
fechadura do futuro projeta
Memórias
sob as pinturas à giz.
E
sobre elas, a massa centopédica
Marcha,
beliscando o próprio rabo.
A
mesma boca que os mastiga,
Me
mastiga, mas o Narciso que
Se
enxerga nestas minhas
Tortas
clavículas é indigesto:
Longe
das borboletas no estômago,
É
um corvo de seda que tenta
Voar
da garganta do turbilhão
Que
tem olhos que olham
Estrangeiramente.
E
os meus olhos os olham
Estrangeiramente.
Das
suas asas internacionais
São
decifradas penas
De
resgate, de namoro,
De
permanência que juiz algum
Ousou
condená-lo.
Nesse
mundo cadentemente
Alto,
não existe poleiro
Fino
o bastante para suportar
Mãos
e coração tão estrelares
Quanto
as nossas.
Se
a aliança entre os meus dedos
Soa
como um beijinho
No
rosto de Narciso, bem sei que
Nosso
casamento só tem
A
nós mesmos como vítimas,
Seguindo
movimentos espectrais
Rumo
a horizontes verticais.
Minha
casa é ilha ignorada
Que
nada ignora.
Onde
a ressaca estupra a areia,
Rasgando-a,
desfazendo a forma
Do
menino. A mulher feita de seixos
Aqui
trabalha e, talvez, por ela
Eu
desconheça a minha morte.
Sim,
todos os dias são noites
Mas
não somente: por isso temo
Nunca
conseguir laçar
Os
lençóis zodíacos para cobri-la
Em
descanso merecido.
Às
vezes, muito às vezes, eu sou ela.
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