Conversa solitária ou Reflexão

       Estou sentado diante do espelho. O que eu queria era apenas alguém que me entendesse, sem nenhum algo a mais, nem um algo a menos. Alguém como eu, que ao me olhar sentisse e compreendesse a razão de seu próprio olho encaixar tão perfeitamente na cavidade do seu próprio crânio; que saberia da minha alma ou desalma quando eu levantasse a mão direita no momento que ele abaixasse a esquerda. Pare de me imitar! Não quero um eu invertido: quero um eu que, na inversão de ser outro, perceba os lados na mesma perspectiva que a minha vida. Isso quer dizer o mesmo que no instante em que eu perguntar – assustado – o que é isso que está a acontecer, não são respostas que quero ter, mas um também assombro ou nas vezes em que, trazendo problemas, a perdição for o caminho, eu não receba soluções, mas o enxergar o peso mesmo.
       O que eu esperava era que perante essas palavras, o reflexo se comovesse fora de mim, me dizendo que esperava o mesmo; que também queria alguém como ele. Na minha tímida infância, eu acreditava, dentre outras coisas, que os espelhos eram janelas de um outro mundo, em que as pessoas de lá, parecidas conosco, quando intuíssem ou fossem alertadas – não sei – de que iríamos ter um contato com algo reflexivo, deveriam fazer os mesmos movimentos que fizéssemos. Eles tinham total liberdade longe disso, mas ainda eram presos a nós. Difícil existência. Mesmo imaginando saber esse suposto segredo, nunca me foi confirmado ou desmentido e hoje, aqui, nem me vendo conversando solitário e sozinho como estou, o reflexo ousa me revelar a verdade. Difícil essa minha existência, sempre preso a esse reflexo.
       Deixei de dormir mais tempo, de molhar o corpo e o rosto, enfim, de cuidar de mim nos essenciais detalhes, tudo isso por me pedir algo assim... Ele também reflete as minhas ideias e sentimentos? As minhas doenças internas e profundidade? Ao menos me balance a cabeça, para que eu não me sinta um! Porque a dor de ser um é nunca poder ser dois. Talvez por isso os amores que batem à porta nunca me esperam abri-la e quando esperam, me tranco na parte de fora. Queria que as chaves estivessem aí, nesse mundo tão parecido com o meu, mas que tudo indica ser apenas um ilusionismo. Onde eu pertenço? Quem de nós é o reflexo? Impossível saber, do mesmo modo que a impossibilidade da chegada desse alguém que me entenda pelo fato de ser eu, mas uma exceção de mim. Sem querer eu quebro o espelho e não sei o que me sobra de meu.

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